Uma travessia...por vezes fácil, outras vezes difícil. Um deserto, onde se tenta desesperadamente encontrar um oásis para ai permanecer, pelo menos na triste ilusão de ser feliz.

junho 22, 2007

"acredito na raiz dos sonhos, nos instantes mágicos...em finais felizes"

junho 20, 2007

Soneto da Felicidade

De tudo, ao meu amor serei atento
Antes, e com tal zelo, e sempre, e tanto
Que mesmo em face do maior encanto
Dele se encante mais meu pensamento.

Quero vivê-lo em cada vão momento
E em seu louvor hei de espalhar meu canto
E rir meu riso e derramar meu pranto
Ao seu pesar ou seu contentamento

E assim, quando mais tarde me procure
Quem sabe a morte, angústia de quem vive
Quem sabe a solidão, fim de quem ama

Eu possa me dizer do amor (que tive):
Que não seja imortal, posto que é chama
Mas que seja infinito enquanto dure.

Vinicius de Moraes

junho 18, 2007

junho 14, 2007

"O Rei do Zum-Zum"

Já que estou quase a ser famoso,
desta fama não me livro,
não quero só dar nas vistas,
nas capas coloridas das revistas.
Que me retratem num livro,
uma coisa romanceada,
de conteúdo sólido e gasoso,
uma coisa por exemplo, intitulada:
"é famoso, por ser famoso".

Eu quero entrar em grande,
na grande cidade.
Não me vou deixar morrer
antes da idade.
Uma coisa é aparecer,
outra é a celebridade.
na verdade quero ser, sei lá,
o número um
eleito o rei do zum-zum
zum-zum
eleito o rei do zum-zum

Eu quero entrar em grande
na posterioridade.
Controlo a rotunda a
toda a velocidade.
O meu charme não tem
prazo de validade.
Na verdade quero ser, para já,
o número dois,
P´ra me ultrapassar depois, dois - um.
Eleito o rei do zum-zum
zum-zum
Eleito o rei do zum-zum
zum-zum.

E vou correndo de ecrã em ecrã
da sitcom ao site ponto com
a ver se nalgum deles
se ilumina o meu nome
eu quero a fama e o proveito
(ninguém é perfeito…)
eu quero a fama e o proveito
(ninguém é perfeito)

Eu quero entrar em grande
e não pela metade
talvez que não haja
outra oportunidade
p’ra apalpar de perto
o corpo à eternidade
na verdade quero ser, sei lá,
o número um
eleito o rei do zum-zum
zum-zum
eleito o rei do zum-zum


E vou correndo de ecrã em ecrã
da sitcom ao site ponto com
a ver se nalgum deles
se ilumina o meu nome
eu quero a fama e o proveito
(ninguém é perfeito…)
eu quero a fama e o proveito
(ninguém é perfeito)

Mas se um dia já não for famoso
arco-íris desmaiado
não me rabisquem nas revistas
das salas de espera dos dentistas
vão ao mapa cor-de-rosa
redesenhem poema e prosa
com conteúdo sólido e gasoso
p’ro melhor argumento adaptado:
Foi famoso por ser famoso

Sérgio Godinho - Ligação Directa

junho 11, 2007

Competencia para amar

Vieste comigo
nesse jeito pós-moderno
de não querer saber nada
de não fazer perguntas
essa pose cansada
tão despida de emoção
de quem já viu tudo
e tudo é uma imensa
repetição

não fosse a minha competência para amar
e nunca teriamos acontecido
num mundo de competências
e técnicas de ponta
a dádiva da fala
quase já não conta

depois quase ias embora
desse modo
evanescente
não soubesse eu ver-te
tão transparente
e teria sido apenas
o encontro acidental
uma simples vertigem
dum desporto radical

não fosse a minha competência para amar
e nunca teriamos acontecido
num mundo de competências
e técnicas de ponta
a dádiva da fala
quase já não conta

Clã - Rosa Carne

junho 07, 2007

"Espera-se sempre que a hora mais esperada seja assim, simples, rápida, suave, pouca dor, pouca consciência, pouca amargura. Espera-se sempre que venha tarde, quanto mais tarde melhor, que passe depressa, e que subitamente já não se sinta nada. Tudo findou. Adeus ao sofrimento, à fome, à responsabilidades, adeus pecados que se guardam em segredos (ai se me descobrem, ai se me descobrem!)."

by Panóptica

...

Assustaste-te.
Ficaste sem saber o que me dizer, enquanto eu falava sem me calar, tentando arranjar uma solução, uma desculpa, que pudesse ser a resposta para aquilo que eu queria, para aquilo que tu querias.

Não houve resposta.
Houve esperança, houve desilusão e houve realidade.
Encontraste o meu olhar, sem me beijar docemente, como eu esperava que acontecesse.
Tremia-te a mão, tentavas fugir, sem me poderes responder àquilo que eu te perguntava.

Querias ir embora. Ausentar-te para um mundo só teu, onde os teus muros são fortes como o betão, e onde só um sábio consegue atravessá-los, sem adivinhar o que o espera e ao mesmo tempo sem certezas matemáticas nem de cálculo que lhe possam dar razão. Sim, porque aqui, não há certezas. Mas nesse teu mundo, o mais incerto é certo. Não há sonhos que não sejam reais, não há objectivos que não sejam concretizados.

É viver com a certeza do dia que te espera, do que vais encontrar, sem haver espaço para desequilibrios em que não consegues agir, pois, a perturbação desse mundo estável, faz-te recuar, mas não te faz ceder.

Adeus - Eugénio de Andrade

Já gastámos as palavras pela rua, meu amor,
e o que nos ficou não chega
para afastar o frio de quatro paredes.
Gastámos tudo menos o silêncio.
Gastámos os olhos com o sal das lágrimas,
gastámos as mãos à força de as apertarmos,
gastámos o relógio e as pedras das esquinas
em esperas inúteis.

Meto as mãos nas algibeiras e não encontro nada.
Antigamente tínhamos tanto para dar um ao outro;
era como se todas as coisas fossem minhas:
quanto mais te dava mais tinha para te dar.
Às vezes tu dizias: os teus olhos são peixes verdes.
E eu acreditava.
Acreditava,
porque ao teu lado
todas as coisas eram possíveis.

Mas isso era no tempo dos segredos,
era no tempo em que o teu corpo era um aquário,
era no tempo em que os meus olhos
eram realmente peixes verdes.
Hoje são apenas os meus olhos.
É pouco mas é verdade,
uns olhos como todos os outros.

Já gastámos as palavras.
Quando agora digo: meu amor,
já não se passa absolutamente nada.
E no entanto, antes das palavras gastas,
tenho a certeza
de que todas as coisas estremeciam
só de murmurar o teu nome
no silêncio do meu coração.

Não temos já nada para dar.
Dentro de ti
não há nada que me peça água.
O passado é inútil como um trapo.
E já te disse: as palavras estão gastas.

Adeus.