Uma travessia...por vezes fácil, outras vezes difícil. Um deserto, onde se tenta desesperadamente encontrar um oásis para ai permanecer, pelo menos na triste ilusão de ser feliz.

setembro 30, 2007

Fruto da Imaginação (quem és tu?)

Eras tu
Na razão das aves e no sol das manhãs
Eras tu
No correr das águas e na cor das romãs.

Como foi
Que perdi o pé no coração
Tu és tudo o que me é dado criar
És um fruto da imaginação.

Eras tu
Em todas as praças, em todas as cidades
Eras tu
Na paz do silêncio depois das tempestades.

Quem és tu
Que andas com a lua na algibeira à espera que eu vá
Quem és tu
De perna traçada no meu sonho como se fosses de lá

Eras tu
Em todas as praças, em todas as cidades
Eras tu
Na paz do silêncio depois das tempestades.

Letra de João Monge - O Assobio da Cobra - A Banda Sonora de um Filme por Fazer

setembro 26, 2007

Tatuagens



Em cada gesto perdido
Tu és igual a mim
Em cada ferida que sara
Escondida do mundo
Eu sou igual a ti

Fazes pinturas de guerra
Que eu não sei apagar
Pintas o sol da cor da terra
E a lua da cor do mar

Em cada grito de alma
Eu sou igual a ti
De cada vez que um olhar
Te alucina e te prende
Tu és igual a mim

Fazes pinturas de sonhos
Pintas o sol na minha mão
E és mistura de vento e lama
Entre os luares perdidos no chão

Em cada noite sem rumo
Tu és igual a mim
De cada vez que procuro
Preciso um abrigo
Eu sou igual a ti

Faço pinturas de guerra
Que eu não sei apagar
E pinto a lua da cor da terra
E o sol da cor do mar

Em cada grito afundado
Eu sou igual a ti
De cada vez que a tremura
Desata o desejo
Tu és igual a mim

Fazes pinturas de sonhos
E pinto a lua na tua mão
Misturo o vento e a lama
Piso os luares perdidos no chão


(letra e música de Mafalda Veiga)

setembro 20, 2007

Duelo

ELE
Frente a frente.
Um metro de distância que os separa.
Mas a quantos quilómetros é que está longe dela?
Tem segredos que não quer revelar.
Conversa sem parar para se distrair do seu olhar.
Flutua pelos arredores concentrando a mente nos vizinhos de café. Escuta as conversas e comenta o alheio.
Não sabe como se sentar, incomoda-o os ferros da cadeira, anseia pelas palavras que não quer ouvir.
Vive os gestos dela, persegue-a com a voz, cheira-lhe os movimentos, desperta-o os sentidos que ela lhe provoca.
Confronta-se com esse desejo que tenta expulsar na esperança que ela não dê conta dessa guerra interior mesmo à sua frente. Fala para se socorrer da intimidação.
Finalmente a hora de ir embora. Faz-se tarde.

ELA
Frente a frente.
Escolhe o ângulo da mesa para melhor observar.
As rugas, a expressão, os gestos, o cabelo. Algo mudou sem mudar. Está tudo igual, mas há diferenças profundas que a desorientam.
Não quer lembrar-se disso. Quer olhá-lo. Perceber as alterações do lugar que os fez perderem-se.
Ouve-o. Sente-o. Cheira-o. Não lhe toca. Não o beija.
Quer render-se no vaguear daquele tempo, contemplá-lo sem distracções, usá-lo como adorno num local destinado a não estar preenchido.
Quer chuva. Quer sol. Quer o vento. Quer usar o seu corpo junto ao dela. Quer deixá-lo partir. Quer aprisioná-lo numa dança só deles.
Já é tarde. Temos que ir embora.

setembro 18, 2007

Abrir o Sinal


Escolher a fragilidade, decidir pelo mais óbvio, optar pelo permitido;
Ver-te carente e saudoso, ouvir-te sem planos, saber-te sozinho.

Somos sempre tão cobardes e passivos.
Queremos aquilo que nos faz ter menos suor, o mais fácil ganhar, a batota.
Queremos o hábito, pouco lutamos pela mudança e desprezamos sem saber a liberdade maluca.
Fingimos desconhecer a coragem, escondemo-nos atrás de um véu de ilusões e não perdemos muito tempo a tentar ser feliz.

Giramos num mundo de comilões hábeis, sentimentos frágeis, tempo escasso e egoísta.
Temos medo do desconhecido, mantemos esta máscara natural e uniformizada igual à face do anónimo que passa por nós no outro lado da rua.
Ocultamos o nome, escondemos o olhar, tentamos tapar a pele arrepiada por te reencontrar noutra vida que julgamos ser a presente.
Já não sabemos chorar, já não brilham os olhos à luz do luar quando dizes que gostas de mim, já não me escorrem as lágrimas sofridas, pela pele até ao umbigo.
O cansaço apodera-se dos músculos, da alma, da voz.
Seguimos pela estrada sem fim, vagueamos por aí, e tememos a sorte de te voltar a olhar.



Abrir o sinal

Jorge Palma in Voo Nocurno

Eu disse "vamos partir, o espaço é seco, vazio e banal, vamos fugir!"
andámos de lugar em lugar
talvez a deixa fosse má, afinal a marca ainda cá está
a conspirar nalgum patamar

Não é o momento de te aconchegar
e não posso ver-te mal
acho que chegou o tempo de abrir o sinal
não sou suposto ver onde vais
nem saber com quem tu sais
neste canto meu
tens um mundo que é só teu

Olha que os nossos pés, mesmo que às vezes estejam de revés, são de proteger
respondem à voz do coração
com erva, vento, pedra e frio, na montanha ou no rio
merecem ternura e atenção

Não é o momento de te aconchegar
e não posso ver-te mal
acho que chegou o tempo de abrir o sinal
não sou suposto ver onde vais
nem saber com quem tu sais
neste canto meu
tens um mundo que é só teu.

setembro 10, 2007

Os meus defeitos

Acorda-me na Primavera do ano que vem
Porque este tempo cinzento deixa-me tão em baixo.
Pudesse eu dizer ao mundo tudo o que sinto,
É que um homem também sente, também sofre, também chora.

Desculpa não te disse os meus defeitos.
Serei só eu quem os tem?
Defeitos.
Defeitos.

Será que a saliva que gasto irá dar-me o que pretendo?
Este eterno monólogo desgasta-me bem cá dentro.
As saudades que carrego pesam toneladas.
É que um homem também sente, também sofre, também chora.


Desculpa não te disse os meus defeitos.
Serei só eu quem os tem?
Defeitos.
Defeitos.


Defeitos.
Defeitos.
Os meus defeitos.


Ricardo Azevedo feat Rui Veloso

setembro 03, 2007

setembro 02, 2007

Pescador


O mar.
O sal.
O som.
A sua pele escura, queimada pelo sol; o seu olhar profundo de quem sabe encontrar o norte a olhar para a lua.

O riso.
O grito.
O olfacto.
A sua alegria quando olha para as ondas; de quem conhece a água na sua plena infinitude, desafiando esse monstro adormecido, reconhecendo o seu poder.

O respeito.
O olhar.
O sofrimento.
A ousadia de querer surpreender mesmo sabendo a sua pequenez face àquilo que procura.

As suas mãos conhecedoras calejadas pelo gosto ao que mais gosta.
O seu cabelo vivido despertando sonhos e proezas.
O seu orgulho ao contar histórias de felicidade.

Um herói de todos os dias. Um rapaz como tantos os outros. Uma paixão verdadeira. Um gosto de viver o mar, amando cada onda, como cada segundo da sua existência.

Esse herói existe em cada porto, em cada cais, em cada criança sentada a olhar o mar.

Pescou-me com o seu anzol de saber e deu-me vida, salvando-me do meu oceano descolorido e cinzento.
Os momentos que passei no seu barco, quando ele tratava de mim para não morrer, senti a decência e humildade existente ainda em cada homem, e cada gesto seu marcou-me em cada centímetro do meu frágil corpo dormente, e ainda hoje olho todos os dias para o horizonte na esperança de voltar a vê-lo.

Ao meu pescador.