Ele criou o desenho dela numa imagem de rascunho para um dia aperfeiçoar. Não queria que ficasse perfeito nem que se resumisse a um contorno turvo com o lápis de carvão que comprou outro dia na loja.
Iluminou aquela folha de papel amarrotado só com o sorriso do seu rosto: a luz da alegria dele quando ela se digna a enfrentá-lo.
É difícil dizê-lo e responder-lhe que sim. Que o deixe pintá-la. Que fique de pose para ele num eterno momento, agarrado àquele papel. Que o permita contemplá-la, num gesto de magistral simplicidade da sua vida rotineira onde os seus passos se cruzam em certos instantes, por muito curtos que sejam, são tempo de leveza, desde que ela o fite por segundos a pedir passagem para algum lado. São segundos que se transformam em água: é a transparência da sua alma; é o seu corpo que flutua; é a frieza rígida que o mortifica e petrifica daquela silhueta que ele imaginou um dia vir a tocar.
É uma temperatura de conflitos interiores, de um calor que o deixa a tremer de frio e pede um agasalho, ou despe o casaco para sentir, o que de verdade está cá fora do seu corpo.
Nada lhe diz que ela o conhece. Tudo lhe diz que ele a não desconhece.
O seu aroma ao passar, tal como o cego que se guia pelo tacto, ele conduz-se às escuras no desenho que despertou o seu cheiro, e envolve-se naquela harmonia de equilíbrio ao qual ela o conduz.
Sabe as curvas do seu rosto, o perfil do seu nariz, quantas sardas tem em dias de verão e a côr dos seus lábios depois de humedecidos pela língua. Não a dele, mas a de alguém que a beija quando ele não está à espera. Alguém que também a pintou, não como ela é de verdade, mas como uma deusa que nem Olimpo teve no seu céu. Pintou-a estragando todas as imperfeições que ele assumiu como perfeitas e que o iludiram e ludibriaram aquele amor de uma vida.
Mas ele não. Ele pintou-a deixando-a por acabar. Ele não sabe se os seus olhos vão perder o brilho ou se a sua pele vai ficar mais branca. Ele não sabe quem a vai beijar e se ele a vai continuar a admirar pelo porte de magestade que ela nunca o foi.
Ele só sabe que o desenho vai continuar crú e nú. Ela vai permanecer imperfeita, a amá-lo, até ao dia, em que o reflexo do seu sorriso, encha o lápis de carvão de côr e ele consiga pintá-la como ele merece por ela.
Uma travessia...por vezes fácil, outras vezes difícil. Um deserto, onde se tenta desesperadamente encontrar um oásis para ai permanecer, pelo menos na triste ilusão de ser feliz.
fevereiro 01, 2008
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