“O mundo não é o que existe, mas o que acontece”
(Mia Couto)
Há uns tempos atrás, penso que em Julho ou Agosto li dois livros deste grande escritor moçambicano. Apesar de ter um carácter “esquerdazoide”, há muitas passagens dos seus livros, frases, que tenho copiado para um caderno de notas. Há frases simples que desejam uma reflexão ou olhar diferente. Dai que destaquei a que antecede este texto, como a que transponho a seguir: “Saudade de um tempo? Tenho saudade é de não haver tempo”.
Cada sujeito dá a sua importância e interpretação. Pode até lê-la e não lhe fazer qualquer sentido. A mim faz. Faz-me retornar à infância, àqueles dias esquecidos na memória, de um passado triste e singelo. Faz-me lembrar as brincadeiras sinceras e sem maldade de uma criança com desejo de viver num mundo colorido, onde tudo dá certo e não há mágoa nem dor, mas sempre amor e perdão. Desilusão a minha. “A vida é uma desilusionista” Cresci e encontrei um mundo onde só vence a desigualdade, onde as simples brincadeiras não passam de um estágio para uma vida dura e difícil de adolescente e jovem. Malfadado destino, onde impera o rancor e a vingança, onde o homem só olha para si e onde o olhar assustado de um garoto o constrange e leva a ter momentos de lucidez, que o desperta para a realidade; realidade essa que se esvai como se nunca tivesse acontecido.
Como pode este ser, que se diz inteligente, culto, sabedor, ter tamanha maldade nos seus pensamentos? Como se pode viver assim, com medo e com temor? Nada do que se sabe tem importância nos corações destes seres desumanos…sim… “humano” é uma palavra de mais, para gente que já não merece ser chamada assim. Sejam poderosos, sejam pobres; sejam velhos, sejam novos. Quem tem dentro de si desejos maus não merece ser chamado “humano”. Não merece conhecer as poucas maravilhas que ainda existem neste mundo estragado pelo ódio.
“E assim vivo, infeliz.
Desesperado só por ser humano.
E humano sem saber como é que o fiz”. (Miguel Torga)
Importa referir que isto tem que mudar, muitas coisas têm que acabar. Nada do que dizem dá vontade de lutar, de fazer vencer. Aceitam-se novas vidas, novas ordens. Aceitam-se novos partidos e novas decisões. Mas não se aceita qualquer coisa. Novo não implica melhor, isto precisa ser dito.
Já chega deste sofrimento cruel. Não dou soluções. Não as tenho. Mas sei que assim não há esperança. Viver já não implica felicidade, apenas conformismo. Basta!
Basta de viver num mundo onde a “paz possível é não ter nenhuma”(Miguel Torga)
Como é possível chegarmos a este final onde neste “mundo há mais dentes que bocas; é mais fácil ser mordido que beijado”. Será que ninguém fica indignado, revoltado? O amor já não impera. Já ninguém vive por ele. Já ninguém lhe dá razão e valor. Já dizia Pessoa que “Ao menos se for sombra antes, lembrar-te-ás de mim depois, sem que a minha lembrança arda ou te fira ou te mova. Porque nunca enlaçamos as mãos, nem nos beijamos nem fomos mais do que crianças”. Se calhar não vale viver por amor, não vale, porque há-de haver mágoa, dor, e sofrimento. Mais vale não acontecer. Desprezar pode ser o melhor. Ninguém fica ferido. “Eu nada terei que sofrer ao lembrar-me de ti. Ser-me-ás suave à memória lembrando-te assim à beira-rio. Pagã triste e com flores no regaço.” Será que esta atitude irá prevalecer? Será que ninguém vai lutar pelo amor, será que mais ninguém amará?
Que isto não aconteça! Viver é nunca desesperar! É cada dia renascer! É crer nalguma coisa! É simplesmente amar!
Uma travessia...por vezes fácil, outras vezes difícil. Um deserto, onde se tenta desesperadamente encontrar um oásis para ai permanecer, pelo menos na triste ilusão de ser feliz.
fevereiro 03, 2004
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